1974
foi indubitavelmente o ano mais importante do século passado em Portugal.
Quem
não se lembra de 1974? Muita gente. Especialmente aqueles que ainda não tinham
nascido. Mas todos reconhecemos esse ano como um marco histórico no nosso país.
Depois daquela noite nada voltou a ser como dantes. Os portugueses passaram a
noite colados às telefonias e às televisões. A ansiedade acumulava-se! O
desfecho era imprevisível! Tudo estava a correr bem, mas o público aguardava o
desfecho com a respiração suspensa.
Finalmente,
num grito de vitória, o anfiteatro coloca-se de pé a aplaudir. Sim! Tinha
acabado o festival de canção de 1974! Paulo de Carvalho tinha ganho o festival
com o tema “E depois do Adeus”!
Depois
dessa noite Portugal nunca mais foi o mesmo. Houve até uma revoluçãozita no mês
seguinte que utilizou essa canção como senha secreta, mas isso são detalhes
históricos sem importância no grande quadro da memória lusitana!
Muito
se tem enaltecido o poema desta canção. Não percebo porquê. Temo que o Raiz
tenha que intervir e dar uma mãozinha ao Paulo de Carvalho. Cheira-me que o
sujeito precisa urgentemente de uma direcção na vida. Atentem na letra, estrofe
a estrofe, e de mãos dadas ajudem-me a ajudar o Paulo de Carvalho. Podem ir
acenando afirmativamente com a cabeça, para ele perceber que somos todos amigos
dele e só lhe queremos o bem!
Quis saber quem sou, o que faço aqui,
Quem me abandonou, de quem me esqueci.
Ora
muito bom dia Sr. Paulo de Carvalho, é com estima que o recebo aqui no Raiz das
Coisas. Sente-se e fique à-vontade.
Ora
bem, não sei muito bem como lhe dizer isto. Preferia que fosse o seu médico a
informá-lo, mas acontece que o Paulo tem um grave problema de Alzheimer. Não
saber quem é, nem o que fazia ali, é grave! Porra homem, você estava a cantar
no festival da canção! A orquestra a tocar e as câmaras a filmar deviam ser pistas
mais que suficientes.
No
entanto, temo que haja outros vilões na sua história: parece que alguém o
abandonou ali. Provavelmente foi a sua família, sem disponibilidade para o
acolher com a sua demência. O mais grave ainda é que o Paulo esqueceu-se de
quem eles são, e assim não pode chamar a guarda para os obrigar a tal
responsabilidade. Isto não começa bem, mas vamos continuar:
Perguntei por mim, quis saber de nós
Mas o mar não me traz tua voz.
Paulo,
tenha calma, perguntar por si é normal dado esse problemazito do foro
psiquiátrico. Mas parece-me que há aqui um dado novo. Há aqui saia na história.
Mais uma vez, parece-me que o Paulo de Carvalho não está a analisar a questão
da melhor forma. Se bem percebo, o Paulo está à espera de ouvir a voz dela no
som do mar, é isso?
A menos
que ela tenha uma voz rouca de bagaço, não me parece que o mar a consiga
imitar, mas por outro lado, pode dar-se o caso de ela ter caído ao mar e o
Paulo estar à espera de notícias dela.
Paulo,
se for esse o caso, diga-me o local onde ela se atirou ao mar que eu ligo já
para a Força Aérea e eles lançam imediatamente um helicóptero de busca e
salvamento. O único problema é que, se assim foi, ela já está no mar à coisa de
39 anos e não me parece que esteja muito viçosa por estes dias. Vá, tenha calma
e vamos continuar.
E em silêncio amor, em tristeza e fim,
Eu te sinto em flor, eu te sofro em mim,
Eu te lembro assim, partir é morrer,
Porque amar é ganhar e perder,
Epá, ó Paulo,
isso é muito fraquinho. Partir é morrer? Isso faz lembrar aquela famosa máxima
da Lili Caneças que diz que estar vivo é o contrário de estar morto, não acha? Amar
é ganhar e perder? Mas ganhar e perder não são conceitos mutuamente exclusivos?
O Paulo diga-me sinceramente: Tem tomado a medicação certinha como o médico
mandou? Não me parece. E depois a sua família aborrece-se e abandona-o em pleno
festival da canção!
Tu vieste em flor, eu te desfolhei
Tu te deste em amor, eu nada te dei!
Alto e pára
o baile! Paulinho, agora estiveste mal! Quer dizer, desfloras a moça e nem
sequer lhe dás nada em troca? O mínimo que se exige é que lhe deixes uma flor
na almofada com um bilhete a dizer que ela é muito especial para ti e que a
amas muito e tal. Para a próxima faz-lhe o pequeno-almoço e dá-lhe dinheiro
para o táxi.
Em teu corpo amor eu adormeci
Morri nele, e ao morrer renasci.
Paulo,
estou a perder a paciência para as tuas ordinarices! A metáfora até nem é má de
todo, mas fica-te mal vires para o festival da canção gabares-te que
adormeceste nela e que passado cinco minutos renasceste pronto para outra.
Paulo,
isso é muito bonito nas primeiras vezes, em que é tudo novidade e queres
mostrar-lhe que és muito viril e tal. Experimenta fazer essa brincadeira ao fim
de dez anos de casamento e quando tiveres que te levantar às seis da manhã no
outro dia…Olha, vamos lá a despachar isto:
(…)
Tua paz, que perdi
Minha dor, que aprendi
De novo vieste em flor, te desfolhei
Epá, já
estou arrependido de me ter metido nisto…
Ó
Paulo, tu não podes acreditar em tudo o que as gajas dizem. Acreditas mesmo que
ela veio de novo em flor? Eu vou indicar-te uns livros que explicam isso
melhor, mas por miúdos, elas só estão em flor uma vez na vida. Depois disso, só
se forem a Las Vegas fazer umas cirurgias malucas, mas não é bem a mesma coisa,
percebes? É tipo a fingir, vá!
A
sério, não vás na tanga dela porque começa a parecer-me que a gaja tem segundas
intenções. Esquece isso e vai antes à guarda fazer queixa da tua família que te
deixou aí à porta do estúdio e arrancou a toda a velocidade.
E depois do amor, e depois de nós
O Adeus, o ficarmos sós.
Paulinho,
às vezes, mais vale só que mal acompanhado. Essa gaja não te anda a fazer bem nenhum. Grande abraço e volta sempre!
Deste
teu injusto amigo, O Raiz.
Nota
final: Bolas! Com tanta pimbalhada que para aí anda, tinha logo que vilipendiar
uma das canções mais perfeitas da nossa história musical. Nem o Paulo de
Carvalho, nem o José Nisa, autor da letra, nem o autor da música, José Calvário,
mereciam tamanha desfeita. Obrigado, adoro esta canção!