O blog que vai ao fundo das questões, afogando-se nelas sistematicamente.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Importa-se de repetir?

1974 foi indubitavelmente o ano mais importante do século passado em Portugal.

Quem não se lembra de 1974? Muita gente. Especialmente aqueles que ainda não tinham nascido. Mas todos reconhecemos esse ano como um marco histórico no nosso país. Depois daquela noite nada voltou a ser como dantes. Os portugueses passaram a noite colados às telefonias e às televisões. A ansiedade acumulava-se! O desfecho era imprevisível! Tudo estava a correr bem, mas o público aguardava o desfecho com a respiração suspensa.

Finalmente, num grito de vitória, o anfiteatro coloca-se de pé a aplaudir. Sim! Tinha acabado o festival de canção de 1974! Paulo de Carvalho tinha ganho o festival com o tema “E depois do Adeus”!
Depois dessa noite Portugal nunca mais foi o mesmo. Houve até uma revoluçãozita no mês seguinte que utilizou essa canção como senha secreta, mas isso são detalhes históricos sem importância no grande quadro da memória lusitana!

Muito se tem enaltecido o poema desta canção. Não percebo porquê. Temo que o Raiz tenha que intervir e dar uma mãozinha ao Paulo de Carvalho. Cheira-me que o sujeito precisa urgentemente de uma direcção na vida. Atentem na letra, estrofe a estrofe, e de mãos dadas ajudem-me a ajudar o Paulo de Carvalho. Podem ir acenando afirmativamente com a cabeça, para ele perceber que somos todos amigos dele e só lhe queremos o bem!

Quis saber quem sou, o que faço aqui,
Quem me abandonou, de quem me esqueci.

Ora muito bom dia Sr. Paulo de Carvalho, é com estima que o recebo aqui no Raiz das Coisas. Sente-se e fique à-vontade.
Ora bem, não sei muito bem como lhe dizer isto. Preferia que fosse o seu médico a informá-lo, mas acontece que o Paulo tem um grave problema de Alzheimer. Não saber quem é, nem o que fazia ali, é grave! Porra homem, você estava a cantar no festival da canção! A orquestra a tocar e as câmaras a filmar deviam  ser pistas mais que suficientes.
No entanto, temo que haja outros vilões na sua história: parece que alguém o abandonou ali. Provavelmente foi a sua família, sem disponibilidade para o acolher com a sua demência. O mais grave ainda é que o Paulo esqueceu-se de quem eles são, e assim não pode chamar a guarda para os obrigar a tal responsabilidade. Isto não começa bem, mas vamos continuar:

Perguntei por mim, quis saber de nós
Mas o mar não me traz tua voz.

Paulo, tenha calma, perguntar por si é normal dado esse problemazito do foro psiquiátrico. Mas parece-me que há aqui um dado novo. Há aqui saia na história. Mais uma vez, parece-me que o Paulo de Carvalho não está a analisar a questão da melhor forma. Se bem percebo, o Paulo está à espera de ouvir a voz dela no som do mar, é isso?
A menos que ela tenha uma voz rouca de bagaço, não me parece que o mar a consiga imitar, mas por outro lado, pode dar-se o caso de ela ter caído ao mar e o Paulo estar à espera de notícias dela.
Paulo, se for esse o caso, diga-me o local onde ela se atirou ao mar que eu ligo já para a Força Aérea e eles lançam imediatamente um helicóptero de busca e salvamento. O único problema é que, se assim foi, ela já está no mar à coisa de 39 anos e não me parece que esteja muito viçosa por estes dias. Vá, tenha calma e vamos continuar.

E em silêncio amor, em tristeza e fim,
Eu te sinto em flor, eu te sofro em mim,
Eu te lembro assim, partir é morrer,
Porque amar é ganhar e perder,

Epá, ó Paulo, isso é muito fraquinho. Partir é morrer? Isso faz lembrar aquela famosa máxima da Lili Caneças que diz que estar vivo é o contrário de estar morto, não acha? Amar é ganhar e perder? Mas ganhar e perder não são conceitos mutuamente exclusivos? O Paulo diga-me sinceramente: Tem tomado a medicação certinha como o médico mandou? Não me parece. E depois a sua família aborrece-se e abandona-o em pleno festival da canção!

Tu vieste em flor, eu te desfolhei
Tu te deste em amor, eu nada te dei!

Alto e pára o baile! Paulinho, agora estiveste mal! Quer dizer, desfloras a moça e nem sequer lhe dás nada em troca? O mínimo que se exige é que lhe deixes uma flor na almofada com um bilhete a dizer que ela é muito especial para ti e que a amas muito e tal. Para a próxima faz-lhe o pequeno-almoço e dá-lhe dinheiro para o táxi.

Em teu corpo amor eu adormeci
Morri nele, e ao morrer renasci.

Paulo, estou a perder a paciência para as tuas ordinarices! A metáfora até nem é má de todo, mas fica-te mal vires para o festival da canção gabares-te que adormeceste nela e que passado cinco minutos renasceste pronto para outra.
Paulo, isso é muito bonito nas primeiras vezes, em que é tudo novidade e queres mostrar-lhe que és muito viril e tal. Experimenta fazer essa brincadeira ao fim de dez anos de casamento e quando tiveres que te levantar às seis da manhã no outro dia…Olha, vamos lá a despachar isto:

(…)
Tua paz, que perdi
Minha dor, que aprendi
De novo vieste em flor, te desfolhei

Epá, já estou arrependido de me ter metido nisto…
Ó Paulo, tu não podes acreditar em tudo o que as gajas dizem. Acreditas mesmo que ela veio de novo em flor? Eu vou indicar-te uns livros que explicam isso melhor, mas por miúdos, elas só estão em flor uma vez na vida. Depois disso, só se forem a Las Vegas fazer umas cirurgias malucas, mas não é bem a mesma coisa, percebes? É tipo a fingir, vá!
A sério, não vás na tanga dela porque começa a parecer-me que a gaja tem segundas intenções. Esquece isso e vai antes à guarda fazer queixa da tua família que te deixou aí à porta do estúdio e arrancou a toda a velocidade.

E depois do amor, e depois de nós
O Adeus, o ficarmos sós.

Paulinho, às vezes, mais vale só que mal acompanhado. Essa gaja não te anda a fazer bem nenhum.  Grande abraço e volta sempre!

Deste teu injusto amigo, O Raiz.




Nota final: Bolas! Com tanta pimbalhada que para aí anda, tinha logo que vilipendiar uma das canções mais perfeitas da nossa história musical. Nem o Paulo de Carvalho, nem o José Nisa, autor da letra, nem o autor da música, José Calvário, mereciam tamanha desfeita. Obrigado, adoro esta canção!

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Tratado de Meteorologia Geoeconómica

Começar um texto com um título tão erudito serve automaticamente o propósito de avisar os leitores para baterem a bolinha baixa. Quem entra aqui no blog e apanha com um título destes, percebe imediatamente que aqui no Raiz das Coisas só se tratam assuntos de alto calibre intelectual.

Este título é também particularmente útil para aqueles que me estão a ler num tablet ou num smartphone enquanto viajam num autocarro: Podem sempre inclinar ligeiramente o ecrã em direcção à boazona que vai sentada ao vosso lado para ela ter noção do gabarito do menino.

Muito bem, agora que a gaja está convencida que vocês são uns intelectualóides betinhos, que veneram o Nuno Rogeiro e são filiados no CDS, podemos continuar. Mas com letra mais pequena, não vá ela topar a aldrabice.

Há tiques lusitanos que me deixam com vontade de ser norueguês, ou finlandês, ou, em muito menor escala, etíope, mas de preferência norueguês. Para vos explicar melhor, imaginem a seguinte cena que se passaria no aeroporto de Faro:

Um Boeing 757 da Finnair acaba de estacionar junto à manga de desembarque do aeroporto de Faro e começa a desembarcar um batalhão de finlandeses, branquinhos como a cal, que reagem aos 20 graus de temperatura despindo as camisolas até ficarem somente em t-shirt. A rapaziada do handling do aeroporto, depois de calçar o avião e partir três malas ao atirá-las do porão abaixo, contempla o desembarque e comentam entre si:

- Ó Zé, olha bem para isto! Estes marmanjos finlandeses davam tudo para viverem num país solarengo como Portugal! Coitadinhos, não viam o sol há seis meses os miseráveis! A mim nunca me hão de apanhar lá em Estocolmo ou lá o que é!

À primeira vista o colega do Zé tem razão, mas à segunda já não, e à terceira pior ainda.

Meus amigos, mas que fixação é esta dos portugueses com o clima? Temos um orgulho tal no nosso bom tempo que me parece que idolatramos o Anthímio de Azevedo ainda mais do que idolatramos o Cristiano Ronaldo.

Um português, de peito inchado, a vangloriar-se do nosso sol, assemelha-se muito a um velho desdentado a gabar-se do estupendo mas último dente que lhe resta.

Ver um português a troçar de um escandinavo que se banha em Albufeira em meados de Março, lembra-me uma empregada de limpeza de um hotel de luxo a gozar com o hóspede da penthouse, dizendo-lhe que se dá ao luxo de ali entrar diariamente há vários anos.

Pessoal, andamos a ver o filme ao contrário! O nosso sol não é a nossa riqueza, é a nossa ruína!

Por cada português que, em calções e t-shirt, se dirige ao seu banco para apascentar umas centenas de euros, há vinte noruegueses que, de gorro e luvas, correm pela neve em direcção ao banco para depositarem milhares de euros. Mas não faz mal, porque hoje está um dia lindo!

Por cada escola portuguesa que não tem pavilhão desportivo porque o clima permite actividades físicas ao ar livre durante praticamente o ano inteiro, há vinte alunos finlandeses que ganham bolsas de estudo para irem estudar matemática para os EUA. Mas não faz mal, porque hoje está um calor do catano!

Por cada português desempregado que se inscreve no IEFP, há 20 noruegueses que se inscrevem num Health Club. Mas não há problema, porque esta semana já não deve chover.

Por cada currículo que envio para empresas escandinavas, há vinte directores de recursos humanos que se mijam a rir com a minha pretensão. Mas não faz mal, porque posso sempre gozar com eles quando desembarcarem em Faro.

Se a exposição solar fosse realmente um riqueza económica, então a troika, que nos esmaga de três em três meses, aterraria em Lisboa vinda da República Dominicana, ou do Gabão, ou do Ruanda. Mas não, vêm daqueles países cinzentos e frios, sem o mínimo de poder económico, ali para as bandas da europa central e do norte.


E depois ainda há aqueles estudos “científicos”, feitos por investigadores de uma qualquer universidade obscura, que pretendem demonstrar que os habitantes de países com muita exposição solar são mais felizes. Dizem eles, em jeito de conclusão científica, que o bom tempo favorece a produção de seretonina, que é uma substância produzida no nosso organismo e que é preponderante na sensação de bem-estar e felicidade.

Pessoalmente, não ponho em causa a influência da seretonina na felicidade das pessoas. Mas quero desde já informar que descobri uma enzima que suplanta em larga escala a influência da seretonina, e achei porreiro chamar-lhe dinheirina.

A dinheirina é uma substância que o meu cérebro produz sempre que vou ao multibanco e constato que a minha empresa já me pagou o ordenado. Com grande rigor científico, repeti várias vezes a experiência e concluí que a descarga de dinheirina me proporcionava uma estupenda sensação de felicidade quer estivesse a chover, quer estivesse um calor dos diabos. A meu ver, isto prova que a seretonina terá a sua importância sim senhor, mas o que o meu cérebro gosta mesmo é de se espojar em dinheirina.

Agora só me falta arranjar uns patrocinadores para repetir a experiência com um finlandês. Quero averiguar se um finlandês que vá ao multibanco verificar se já lhe pagaram os seis mil euros de ordenado num dia de neve, vento e temperaturas negativas, exclama em voz alta: “Que merda de vida que eu tenho! De que me vale ganhar tanto dinheiro se não estou em Portugal a apanhar sol?”.

O colega do Zé acabou de descarregar a bagagem do avião finlandês e por momentos pensou se a capital da Finlândia não seria Helsínquia, mas rapidamente esqueceu o assunto, substituindo esse pensamento pela lembrança de que se baldava às aulas de geografia para jogar à bola sempre que o sol brilhava lá aldeia onde cresceu.


Deste vosso cinzento e frio amigo, o Raiz.